A Origem dos Ciganos
Quando se estuda a origem de um povo, sua formação e desenvolvimento social, religioso, econômico, é necessário levar em conta documentos ou registros escritos. O povo cigano não possui uma linguagem escrita; o romanê ou romanez, que é a sua linguagem básica, é essencialmente oral. É expressamente proibido ensinar o romanê a não-ciganos e livros que contenham vocabulário ou dicionário deste idioma, com certeza, não poderão provar sua autenticidade. Ela é tradicionalmente transmitida de pai para filho, de uma geração para outra. Sendo assim, não se tem documentos da história dos ciganos, que também é passada oralmente.
Afirmam os estudiosos que o povo cigano teve sua origem na civilização da Índia antiga, mais ou menos há três mil anos antes de Cristo. Nessa época, vivia um povo às margens do rio Indus, região noroeste da Índia, onde hoje está o Paquistão. Era um povo amante da música, da magia e das cores alegres, e que não estava preparado para a guerra; por isso, quando a região foi dominada por invasores árabes, escravizando o povo, alguns conseguiram fugir para outras terras. Quando lá chegavam normalmente eram bem recebidos, pois seus chefes apresentavam-se como príncipes, duques, condes e levavam falsas cartas de apresentação da nobreza e do clero europeus. Diziam-se peregrinos cristãos vindos do Egito e assim, obtinham licença das autoridades locais para se instalarem. Logo depois, os homens começavam a praticar pequenos furtos e as mulheres, a ler a sorte. Eram então considerados malditos e responsáveis por epidemias e incidentes. Algumas vezes, ofereciam-lhes dinheiro para deixar a região; outras, eram perseguidos e expulsos. Foram desta forma, tornando-se um povo nômade.
Várias lendas foram criadas para justificar tamanha perseguição e, na época das Grandes Descobertas os ciganos encontraram hospitalidade na Espanha e em Portugal, interessados em enviá-los às colônias africanas, asiáticas e americanas.
No Brasil, conhecemos dois principais grupos ciganos: os Calom, que vieram da Espanha e Portugal, por volta de 1574, e foram, na sua grande maioria, feitores de escravos nos engenhos de cana-de-açúcar; e os Rom, que chegaram da Hungria, Turquia, Rússia, Iugoslávia e Grécia a partir de 1822, embora a maioria tenha vindo no período entre as duas grandes guerras mundiais.
Outros pontos que parecem justificar a sua origem é a pele morena, comum aos hindus e ciganos, o gosto por roupas vistosas e coloridas e alguns princípios religiosos como a crença na reencarnação e na existência de um Deus Pai Absoluto. Tanto para os ciganos quanto para os hindus a religião é muito forte e norteia muito do seu comportamento, ditando normas e fundamentos importantes, que devem ser respeitados e obedecidos. Quem infringe algum princípio comete falta grave, ficando sujeito às penas dos círculos cármicos até por algumas encarnações, além das penalidades impostas pela sociedade.
O gosto pela dança e sua importância ritualística, a forma recatada das mulheres não expondo o corpo, também podem ser consideradas outras semelhanças entre os hindus e os ciganos.
Outro fato que chama a atenção para a provável origem indiana do povo cigano é a santa por quem nutrem sua principal devoção, Santa Sara Kali.
Kali é venerada pelo povo hindu como uma deusa, que consideram como mãe universal. Sua pele é negra tal como Shiva, uma das pessoas da Trindade divina para os indianos (Bramam, Vishnu e Shiva). Kali é a forma feminina da palavra kala, que significa tempo. Para os ciganos, Santa Sara possui a pele negra, daí ser conhecida como Sara Kali, a negra, num paralelismo claro com a deusa hindu. Santa Sara abençoa o povo, zela pela família, os acampamentos, guarda a tenda, os alimentos, aniquilando os poderes negativos e os males que possam afetar as famílias ciganas.
Das lendas criadas para justificar a perseguição aos ciganos, sabe-se que:
- Uma delas diz que os ciganos são descendentes da família que negou hospitalidade a José e Maria durante sua fuga para o Egito.
- Outra afirma que foi um cigano quem forjou os cravos que prenderam Jesus à cruz.
- Sempre foram equiparados às bruxas e aos feiticeiros e, por conseqüência, sofreram acusações de prática de magia negra e de pactos com o Diabo.
- São considerados ladrões.
Em decorrência dessas lendas,em 1539, o Parlamento Francês fez uma proclamação, no que foi seguido em 1560 pelo Estado Geral de Orléans, na qual “todos os impostores, conhecidos pelos nomes de boêmios ou egípcios, devem abandonar o reino, sob a penalidade das galés’. O rei Henrique VIII da Grã-Bretanha assinou um edito semelhante em 1531. Por volta de 1572, os ciganos foram forçados a abandonar Veneza e Milão. Enquanto que a Suécia os expulsou em 1662.
Na Albânia e na Grécia os escravos pagavam impostos mais caros. Na Holanda, eram condenados à forca. Na Polônia, Dinamarca e Áustria havia punição para quem os acolhesse.
Contudo, tanto a Grã-Bretanha como a França e a Espanha combateram o problema de forma ambígua, valendo-se por um tempo da deportação dos ciganos, o que acabou ocasionando a disseminação por todo o mundo. A Grã-Bretanha os enviou para a Austrália e também para o Novo Mundo; a França mandou-os para a Luisiana; e a Espanha deportou-os para o Brasil. E, nos meados do século vinte, os ciganos foram mais uma vez perseguidos de modo selvagem. Durante a Segunda Guerra Mundial, os nazistas sitiados na França construíram onze campos de concentração só para eles. Sabe-se que pelo menos duzentos e cinqüenta mil deles morreram nesses campos. Alguns pesquisadores chegaram a afirmar que uma quantidade de ciganos, superior a seiscentos mil, foi morta em todos os países que se encontravam sob o domínio alemão.
Na realidade, o que provoca intolerância é a capacidade que temos ciganos de preservar seus costumes, tradições e língua, apesar da maioria ser analfabeta e a cultura ser transmitida oralmente. Os valores culturais nunca são totalmente revelados aos gajons, reservando assim, os interesses do grupo.
Acreditam-se descendentes de Lilith, primeira mulher de Adão, e por isso, livres do pecado original e superiores aos gajons. Por esse motivo, não aceitam um gadjé como superior, e se apegam às antigas profissões que caracterizavam seus grupos.